O AGOSTO É LILÁS, MAS A MULHER CONTINUA ROXA
Todos os anos, o mês de agosto é pintado de lilás em alusão à Lei Maria da Penha e à luta contra a violência doméstica. Multiplicam-se publicações institucionais que, em tese, buscam “conscientizar” a sociedade sobre a necessidade de proteger mulheres. Mas aqui com meus botões, olho para essas mesmas publicações e penso: como pode uma cor ser tão delicada e, ao mesmo tempo, tão inútil diante da brutalidade humana? O cartaz é lilás, o prédio é lilás, mas a carne da mulher continua roxa. Não é roxo de flor, é roxo de hematoma. E a minha mania de questionar: será que no Tocantins, esse ritual lilás tem mais um caráter performático ou uma transformação efetiva?
Reza a lenda que os números não deixam margem para dúvida, assim sendo, a violência contra a mulher não recua. Ao contrário, cresce. No site do MP foi divulgado que em 2024, 7,5 mil mulheres registraram boletim de ocorrência sobre algum tipo de violência sofrida que se encaixa na Lei Maria da Penha. Isso significa 7,5 mil vezes o grito sufocado, o medo, a denúncia feita às pressas. É como se cada estatística fosse uma mulher em silêncio, pedindo socorro. E os números crescem como ervas daninhas. E há o feminicídio, palavra dura, que arranca a vida inteira de uma só vez. Subiu quarenta por cento em alguns meses. Depois caiu. Depois subiu. Que alívio é esse que não consola? Quando uma só morre, já é demasiado.
Em termos práticos, campanhas como o Agosto Lilás correm o risco de transformar-se em liturgias anuais, repetidas mecanicamente, mas incapazes de alterar a realidade concreta. É como pintar de cor suave um quadro social marcado pela brutalidade cotidiana. Ao final do mês, a cor desbota e as mulheres continuam expostas.
Paulo Freire já alertava: ninguém conscientiza ninguém; a conscientização é processo dialógico, crítico e coletivo. O que temos são slogans que responsabilizam a vítima com dizeres “não se cale, denuncie” sem oferecer-lhe meios concretos de segurança e autonomia. A mensagem soa vazia quando o Estado falha em garantir acolhimento, justiça célere e oportunidades reais de emancipação econômica.
Popularmente falando, “no frigir dos ovos”, o aumento das estatísticas no Tocantins não será reduzida por meio de cores ou hashtags, mas pela construção de políticas públicas de longo prazo, que unam prevenção, punição efetiva e fortalecimento da rede de apoio. É hora de ir além da estética lilás. Caso contrário, continuaremos repetindo campanhas que mais tranquilizam o poder público do que protegem, de fato, a vida das mulheres.

