O VOTO FEMININO
Conquista ou Estratégia Política Para Expansão do Poder Masculino?

Hoje, 24 de fevereiro, comemoramos o Dia do Voto Feminino no Brasil. Uma data histórica que nos lembra do decreto nº 21.076, de 1932, assinado por Getúlio Vargas, que facultou às mulheres o direito de votar — o que, posteriormente, em 1965, tornou-se obrigatório. No entanto, ao refletir sobre o simbolismo dessa data, me pego questionando se, de fato, ela representou um avanço genuíno para as mulheres ou se foi mais uma estratégia política para aumentar o número de votos masculinos, sem realmente transformar a representatividade feminina.
É difícil não pensar que, por muito tempo, as mulheres — principalmente as negras, pobres e periféricas — foram deixadas de lado, sem espaço para discutir as questões que afetam suas vidas diuturnamente, a começar pelo direito de ir e vir. O direito ao voto foi, sem dúvida, um marco. Todavia, com o passar dos anos, a dúvida persiste: a intenção era realmente dar voz às mulheres ou simplesmente usá-las como um meio para ampliar a quantidade de votos masculinos nas urnas?
Atualmente, as mulheres ainda enfrentam uma realidade marcada por diversos tipos de violência — física, psicológica e institucional —, tanto em suas vidas pessoais quanto nos espaços de poder. Poderia citar várias figuras femininas emblemáticas, desde personagens do contexto bíblico, como Maria, mãe de Jesus, e Joana D’Arc, mulheres da literatura, como Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus e Lygia Fagundes Telles. Além delas, há também mulheres em cargos públicos e partidários, como a ex-presidente Dilma Rousseff, a socióloga Rosângela Silva (Janja) e a vereadora Naiara Miranda. Independentemente do recorte temporal, as mulheres continuam sendo alvo de desrespeito e violência, tanto de forma velada quanto explícita.
Diante disso, é impossível não questionar: o que mudou, de fato, desde a obrigatoriedade do voto feminino? Em muitos casos, as mulheres continuam sendo tratadas como “laranjas” eleitorais, utilizadas apenas para preencher cotas políticas, sem que suas vozes e realidades sejam realmente ouvidas e respeitadas. Enfatizo que, muitos homens cumprem esse papel de “laranja”, mas raramente fenômeno é colocado em xeque. Sob essa perspectiva, a política, muitas vezes, parece ser mais uma questão de números do que de verdadeira representatividade.
Falando por mim, como mulher negra, pobre, periférica, servidora pública, graças ao concurso público e, consequentemente mestra em Letras porque com meu salário pude arcar com todos os livros e demais despesas, percebo que, apesar de estarmos ocupando mais espaços, a dinâmica do sistema é dominada pelo gênero masculino, num continuum de exclusão — e, quando possível, nos silencia, sendo esse silenciamento reforçado, infelizmente, até por outras mulheres que, por muitas vezes, fazem parte do mesmo clã (ou se acham pertencentes).
A construção de políticas públicas, em muitos momentos, ignora as necessidades reais de mulheres que, enquanto você escova os dentes, já estão garantindo que seu pão com café esteja pronto na padaria. E, mesmo assim, ainda há quem diga: “Todas nós temos as mesmas 24 horas”. Jura?! As mulheres são necessárias para dar “cara” às campanhas eleitorais, mas a política muitas vezes não reflete nossa diversidade, nossas lutas e nossas necessidades urgentes. Além de respeito no cenário político, precisamos, para ontem, de políticas públicas eficazes que nos atendam de forma real — no estilo “nada sobre nós, sem nós no meio”. Não somos adornos de uma política que ainda é majoritariamente masculina. Entretanto, até que nossos direitos sejam mais do que discursos vazios, a conquista do voto feminino, celebrada hoje, continuará sendo uma promessa não cumprida na vida de muitas mulheres.
Abraços, Sonia Cunha

