PEC 66/2023: A QUEM INTERESSA O FIM SILENCIOSO DO SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL?
Por Sonia Cunha, Servidora Pública Municipal desde 1998

A Proposta de Emenda à Constituição nº 66, de 2023, hoje em trâmite no Senado Federal, emerge (não sem ruído) como mais um capítulo de um projeto de reestruturação silenciosa do Estado brasileiro, mascarada pelo discurso de uma suposta modernização. Na prática, uma reconfiguração profunda do regime jurídico dos servidores públicos, especialmente nos municípios, onde as tensões orçamentárias e políticas são, por natureza, mais sensíveis.
Ou seja, embora nos púlpitos oficiais os discursos defendam a “eficiência administrativa”, cabe ao servidor público municipal ficar atento, pois nada que é em prol dessa categoria acontece com plena agilidade e sem objetivos sorrateiros definidos (você, servidor que lê essas linhas, sabe do que estou falando), Em termos práticos, não há como ignorar: a PEC 66 enfraquece pilares constitucionais, a começar pela estabilidade, uma conquista duramente inserida na Carta Magna de 1988, justamente para blindar o servidor de pressões político-partidárias e assegurar a continuidade das políticas públicas, independentemente de quem ocupa o poder (e essa conquista foi graças às pessoas que tiveram coragem de ir às ruas se manifestar e não aos grupos de WhatsApp do momento).
De modo sutil, mas também incisivo, a proposta legitima a substituição de cargos efetivos por vínculos temporários, ampliando contratações precárias e terceirizações em setores vitais como saúde, educação e assistência social, abrindo-se assim uma larga avenida para prefeitos e gestores contratarem à revelia do concurso público, não raro e nem tão distante, a famosa conversão dos cargos técnicos em moeda de troca político-partidária. A exemplo do silêncio escaldante do Tocantins, podemos trocar esse termo em miúdos dizendo que, a palavra se faz cerca: quem aceita ser meu, pasto é. E o curral? Ah, o curral é dentro.
Por vez, a pergunta retórica que não cessa: A quem interessa um servidor frágil, vulnerável, sem carreira sólida, sem garantias mínimas? Talvez a resposta esteja menos na ponta do lápis orçamentário e mais na lógica de um Estado moldado aos interesses de quem governa, não de quem é governado. Como bem se evidencia nas dinâmicas contemporâneas do neoliberalismo gerencial, o discurso de eficiência quase sempre caminha de mãos dadas com cortes de direitos adquiridos, redução de custos humanos e expansão de brechas para a privatização velada. Logo, o servidor público municipal, historicamente alvo de tentativas de cooptação, perseguições e descontinuidade funcional, é quem mais perderá. Sem estabilidade, sem voz segura para denunciar desvios, para recusar ordens ilegais, ou simplesmente não permanecer no cargo quando o governante da vez se sentir contrariado ( e o que há de gente grande com comportamento de criança…)
Bom, em síntese, a PEC 66/2023 não é uma abstração técnico-legislativa distante. É uma ameaça concreta ao serviço público que chega à ponta, ou seja, à sala de aula, ao posto de saúde, ao CRAS, locais nos quais os servidores são o Estado encarnado no atendimento à comunidade. Desfigurar sua carreira é abrir mão de políticas públicas minimamente contínuas, transparentes e imunes às intempéries eleitorais.
Portanto, não se trata de defender privilégios, como apregoa o senso comum mal informado. Trata-se de proteger o interesse coletivo, que se materializa, paradoxalmente, na figura de um servidor que não pode ser dispensado por capricho político, nem substituído por contratos frágeis, invisíveis e moldáveis a interesses que, muitas vezes, conflitam com o bem comum. Dito de outro modo, defender a permanência da estabilidade é defender o cidadão. E se há algo que os municípios brasileiros não podem prescindir é de servidores concursados, capacitados, estáveis e, sobretudo, protegidos da dança de cadeiras que, de tempos em tempos, ameaça transformar o Estado em balcão de favores.
Cada servidor, cada sindicato, cada cidadão precisa compreender o que está em jogo. A PEC 66/2023 não é apenas uma emenda: é uma sentença silenciosa contra a espinha dorsal de um serviço público que, apesar de todas as dificuldades, ainda resiste como última trincheira de direitos em tantos rincões do Brasil.
Que sejamos capazes de dizê-lo nas ruas, nas redes sociais, nos jornais. Enquanto ainda há tempo.
Referências
BRASIL. Senado Federal. PEC nº 66, de 2023. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/162615. Acesso em: 16 jul. 2025.ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Nota Técnica PEC 66/2023. Disponível em: https://www.anfip.org.br/publicacoes/notas-tecnicas/. Acesso em: 16 jul. 2025.


Gostei muito da sua coluna bem explicada e esclarecida . Temos que criar coragem e ir a luta. Sou servidora desde 2003 até hoje não tenho meus direitos garantido e se aprovar essa pec aí acabou tudo parabenizo os vereadores e deputados que nos apoia.